Os primeiros relatos da colheita de trigo de 2023 viraram sinônimo de preocupação para os produtores gaúchos. Com as geadas de agosto e a chuva recorde de setembro, até 20% do potencial produtivo da cultura pode ter sido comprometido com as adversidades climáticas e proliferação de doenças só no noroeste gaúcho, estima a Emater.
Em algumas cidades do norte do RS, choveu mais de 400 milímetros em poucos dias, o que favoreceu o desenvolvimento de doenças como a giberela, que inviabiliza o desenvolvimento do cacho e ocasiona má formação dos grãos.
— Alguns municípios e produtores que começaram a colheita relatam muitos danos e uma quebra considerável na produtividade. Já temos colegas fazendo perícia para seguro rural. O cenário está complexo e devemos ter produtividades bem variadas na região — descreve Fábio Pasqualotto, gerente regional da Emater em Ijuí.
Na região de Ijuí, foram mais de 358 mil hectares plantados com trigo em 44 municípios. Até o momento, há menos de 5% de área colhida. No RS, o número é de 1%, segundo o informativo conjuntural da Emater divulgado na quinta-feira (28).
Produtores revisam projeções
Em Santa Rosa, na Região Noroeste, o agricultor Décio Schleger plantou 75 hectares de trigo. A expectativa era alta: em junho, todos os panoramas apontavam para safra recorde de trigo no RS em 2023. Por isso, o plano de Schleger era colher cerca de 60 sacas por hectare. Agora, ele já sabe que não vai alcançar essa produtividade neste ano.
— Botamos tudo certo, desde nitrogênio até aplicação de fungicida, e estava indo tudo bem. Agora, veio a chuvarada e estragou praticamente 100%, porque trouxe as doenças causadas pela chuva — diz.
No município de Erechim, muitas lavouras registram presença de fungos enquanto as plantas começam a formar as espigas.
— Visualmente, é um trigo que teria potencial pra colher de 80 a 90 sacas por hectare, mas hoje, em razão da giberela, praticamente 50% da produção está comprometida. Já investimos a mais do que era necessário e não sabemos o que vamos fazer, se vamos investir mais, porque o que tinha de recursos já esgotou tudo — afirma o agricultor Marcelo Balestrin.
Em Marau, o produtor Rodrigo Coradi esperava repetir pelo menos em parte o recorde que bateu em 2022: no último ano, ele colheu 95 sacas por hectare. Mas, em 2023, a projeção é que a colheita não chegue a 60 sacas.
— O nosso custo de plantação gira em torno de 70 sacas por hectare. E caso venha a se confirmar esse cenário, vamos acabar colhendo 60 sacas, ou seja, vai faltar 10 para pagar o que foi investido. A conta não fecha. Isso dá quase R$ 600 por hectare de prejuízo — relata.
Por causa da chuva, foi inviável aplicar os defensivos na lavoura.
— A terra fica cheia de barro e não dá para entrar. Além disso, para fazer a aplicação, é preciso ter um período sem chuva para o inseticida ser absorvido pela planta e surtir efeito. Desse jeito, mesmo com o controle químico que é feito, esse clima quente e a umidade alta faz com que os fungos se proliferem — explica Coradi.
A situação em Passo Fundo
A área plantada de trigo na região de Passo Fundo é de 135,7 mil hectares em 42 municípios em 2023. Desses, cerca de 45% do plantio está na fase de floração, etapa em que se projetam os grãos no cacho e uma das mais sensíveis a alta temperatura, excesso de chuva e umidade.
Segundo o gerente regional da Emater em Passo Fundo, Dartanhã Vecchi, ainda é cedo para falar em prejuízos na região, visto que o desenvolvimento do trigo ocorria dentro do esperado até o início da chuva.
— É um cenário que preocupa, sim, mas temos um mês pela frente. O momento agora é de atenção para tentar manter a melhor sanidade possível da planta e as fases vegetativas. Para isso, é necessário que se siga os cronogramas e as orientações agronômicas, com os tratamentos sanitários e monitoramentos das doenças para este momento — orienta Vecchi.
O clima excessivamente úmido, que favorece a proliferação de doenças, ameaça a confirmação do potencial produtivo do trigo, especialmente após a maturação. Segundo o boletim da Emater, se houver atraso na colheita, os grãos podem atingir níveis de qualidade que “inviabilizam a utilização pela indústria de panificação”.
— Estamos em um período crucial das culturas mais tardias, como o trigo. Os grãos já passam da fase final da floração e vão ser atingidos com ainda mais severidade se confirmar a previsão de chuva que temos para os próximos 10 dias — pontua Pasqualotto.
-GZH