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Agropecuária

Moradores do campo também são afetados pela fome no Brasil

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A zona rural brasileira é considerada um celeiro do mundo. O país está entre os cinco maiores exportadores mundiais de produtos agropecuários, principalmente, soja, milho, açúcar, suco de laranja e carnes de frango e bovina. Além disso, é responsável por alimentar quase 800 milhões de pessoas no mundo, segundo estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Esse alimento, entretanto, nem sempre chega à mesa de quem o produz, o morador do campo. Seis em cada dez habitantes (63,8%) de áreas rurais apresentam algum grau de insegurança alimentar, ou seja, não se alimentam de forma adequada.

Os dados são da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) que entrevistou 35 mil pessoas em 2022. A pesquisa mostra que dois em dez moradores (18,6%) do campo estão numa situação de insegurança alimentar grave, ou seja, passam fome.

Nas cidades, os percentuais são um pouco mais baixos: 57,8% são afetados por insegurança alimentar e 15% enfrentam a fome.

Em 2022, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) fez uma análise que mostrava que a insegurança alimentar começava a piorar nas áreas rurais do país – com o índice de famílias que enfrentava essa dificuldade subindo de 35,3% em 2013 para 46,4% em 2018.

A análise foi feita a partir dos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2017-2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Isso significa fome”, explicou o pesquisador do Ipea Alexandre Arbex Valadares, em nota, à época.

“Os dados da POF-2018 surpreenderam porque, nas pesquisas anteriores, os indicadores apontavam uma tendência de superação da insegurança alimentar no país, trajetória que mudou sensivelmente em 2018”, completou.

O Ipea constatou ainda que a renda das famílias rurais caiu de 2008 a 2018, o que mostra um empobrecimento dessa população.

Famílias 

As irmãs Daiane e Gabriela vivem com sete crianças e adolescentes (entre 2 e 15 anos) na zona rural de Guapimirim, na região metropolitana do Rio de Janeiro, em uma casa humilde de alvenaria – parte emboçada, parte com tijolo aparente – onde antes havia acabamento. A única fonte de renda das duas é o Bolsa Família e isso evita que elas passem fome. Mesmo assim, o dinheiro é curto para garantir comida durante todo o mês.

“A gente recebe [o Bolsa Família] e consegue abastecer o armário. Mas, no fim do mês, é difícil. A gente fica sempre preocupado se vai faltar comida. Mas tem algumas pessoas que ajudam a gente”, conta Daiane, que está treinando para poder trabalhar como cuidadora e melhorar a renda da família.

A pesquisa constatou também que, em 2018, havia menos dinheiro disponível para a compra de comida do que dez anos antes. De acordo com o Ipea, houve uma queda de 14% dos gastos dessas pessoas com alimentos nesse período.

Maria e Everaldo moram com os três filhos, em São José da Tapera, na caatinga alagoana, em uma casa precária, feita com estacas de madeira, de apenas dois cômodos. Em um deles dormem as crianças. O outro serve de quarto para o casal, banheiro e cozinha.

Os alimentos e a água são armazenados em dois tambores de plástico. Everaldo não consegue trabalhar na terra, devido a um problema na coluna. E os R$ 600 que ganha do Bolsa Família não são suficientes para garantir uma alimentação adequada a todos.

São duas refeições por dia, nada além disso. E mesmo essas refeições precisam ser controladas para que não falte comida até o fim do mês. “São R$ 600 pra tudo. E o Everaldo ainda toma remédios controlados. Não tem como comer mais do que duas vezes por dia. É complicado”, conta Maria.

Concentração de terra

Segundo o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Sauer, a fome no campo é resultado da “profunda desigualdade socioeconômica” que afeta a sociedade brasileira. Na zona rural, isso se materializa na concentração de terra que faz com que muitos moradores do campo não tenham acesso a um local para cultivar.

“Além da desigualdade estrutural, proporcionalmente, há mais gente com fome no campo devido a problemas históricos na formulação e implementação de políticas governamentais ou estatais. Historicamente, inclusive com as políticas públicas socioassistenciais, houve uma concentração de investimentos nas cidades”, explica Sauer.

A fome não poupa nem os próprios produtores de alimentos. A pesquisa da Penssan mostrou que a fome atingia 21,8% de agricultores familiares e produtores rurais no país. A insegurança alimentar, em todos seus graus, afetava 69,7% dessas pessoas.

No Norte do país, a insegurança alimentar atinge 79,9% dos produtores rurais/agricultores familiares. Quatro em dez dessas pessoas (40,2%) passam fome. No Nordeste, 83,6% enfrentam insegurança alimentar em algum grau e 22,6% encaram a fome.

“Do ponto de vista ético e de direitos humanos, é inadmissível que o espaço produtor de alimentos abrigue pessoas passando fome. Essa contradição é o elemento – político, ético, humano – que torna a fome no campo tão marcante, inclusive porque não é possível justificá-la com argumentos equivocados como, por exemplo, ‘há fome porque faltam alimentos’”, destaca o pesquisador.

Sauer afirma que, nos últimos anos, houve um desmantelamento de políticas públicas voltadas para a população do campo, o que, junto com a pandemia de covid-19, fez com que a situação piorasse.

“O crescimento da fome no campo, inclusive entre produtores de alimentos, se deve aos cortes orçamentários, quando não à extinção de políticas públicas, desenhadas para atender à população do campo. A fome aumentou, portanto, devido aos cortes nos investimentos e ao desmantelamento de políticas depois de 2016, particularmente depois de 2018.”

Entre as políticas desmanteladas nos últimos anos, segundo Débora Nunes, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), estão o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que incentiva a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares, e o acesso ao crédito para pequenos produtores rurais.

“A gente imagina que, quem está no campo, teria melhores condições de produzir o alimento. Por isso, é importante a gente relacionar a fome à garantia de políticas públicas que contribuem, para quem está no campo, produzir o alimento, com acesso ao crédito, à política da reforma agrária, a políticas públicas como o PAA, como PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], que ajudam no fortalecimento da produção e, consequentemente, fazem com que as famílias tenham melhores condições de existência”, afirma Débora.

Segundo ela, a fome no Brasil também tem relação direta com o modelo agrícola adotado no país, que privilegia a exportação de commodities, como a soja, em vez da produção de alimentos para os brasileiros.

“O modelo do agronegócio exige a concentração da terra, não gera emprego e não produz alimentos, não produz comida, produz commodities para exportação. E é um modelo que destrói o meio ambiente, com o uso intensivo de agrotóxicos, o envenenamento do nosso lençol freático e a destruição das nossas matas.”

“O outro modelo é o da agricultura familiar, da reforma agrária, que justamente propõe o inverso, partindo da democratização do acesso à terra. É um modelo que compreende que, para sua existência, precisa ter uma relação saudável com o meio ambiente. Só consigo ter água na minha cacimba, se preservamos o ambiente”, completa.

Para Sergio Sauer, combater a fome no campo exige “medidas estruturantes”, com políticas de Estado que independam do governo da ocasião e que permitam o acesso da população à terra para produzir.

“As experiências históricas de acesso à terra (criação de projetos de assentamentos) ou garantia de permanência na terra (reconhecimento de direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais e povos indígenas) demonstram claramente a diminuição da fome e melhorias nas condições de vida no campo”, ressalta.

“Esses programas são, ou deveriam ser, acompanhados de outras políticas públicas (assistência técnica, crédito, construção de infraestrutura, acesso à saúde, acesso à educação, etc), que resultam diretamente na produção de alimentos, consequentemente na diminuição da fome e na melhoria da vida no campo”, conclui Sauer.

Governo

Segundo a secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Lilian Rahal, historicamente “a pobreza é mais dura” na zona rural e lembra que essas áreas  englobam populações tradicionais que são muito afetadas pela desnutrição.

“Ela é mais dura porque você considera comunidades indígenas, reservas extrativistas e populações quilombolas onde os indicadores de desnutrição, geralmente, têm sido maiores. E mesmo nos últimos anos foram os núcleos duros da desnutrição. É onde a gente tem que fazer nossas políticas chegarem. É claro que esse núcleo duro se ampliou nas áreas rurais e cresceu muito nos últimos anos. Isso se reverte enxergando primeiro essas populações, buscando onde estão e criando políticas públicas específicas, desde políticas de saúde até as políticas sociais”, afirma.

A secretária de segurança alimentar e nutricional do MDS, Lilian Rahal, durante entrevista à Agência Brasil

A secretária de segurança alimentar e nutricional do MDS, Lilian Rahal, durante entrevista à Agência Brasil – Antonio Cruz/ Agência Brasil

De acordo com a secretária, o governo quer reforçar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com a recuperação do orçamento e uma reformulação com foco nas famílias mais vulneráveis.

“Nossa ideia é focar o PAA cada vez mais nas famílias do Cadastro Único, nas mulheres e famílias, para a compra de alimentos. Nos últimos anos, o programa deixou de ser operado com as organizações da agricultura familiar. Houve uma concentração de operações nas prefeituras e produtores de pessoas físicas. Nossa ideia é, de alguma forma, retomar a atuação com as organizações da agricultura familiar até para poder fortalecer o modelo associativo.”

A secretária destacou que, apesar disso, o PAA continuará atuando com os entes federativos. Ela ressaltou também a importância de ter programas que fomentam a inclusão das famílias do campo no setor produtivo, seja pela própria agricultura seja por outras atividades empreendedoras.

“A gente tem que enxergar essas famílias, saber as carências e organizar uma oferta de políticas públicas para que a situação possa ser revertida no curto prazo. Isso passa pela transferência de renda, mas, às vezes, pela própria oferta de comida. Programas que comprem a comida que elas produzem, mas também façam a comida chegar onde não está chegando”, afirma.

Ela destacou também a importância de garantir o acesso à água. “A insegurança hídrica potencializa a insegurança alimentar. Tem programas que nos permitem reduzir isso de forma bastante concentrada, como o programa de cisternas no semiárido. Nossa proposta é chegar onde não chegamos. Já tem mais de 1 milhão de cisternas implementadas, mas ainda tem cerca de 300 mil a 350 mil famílias que precisam receber cisternas.”

Agência Brasil publica nesta terça-feira (21) a última parte do especial Prato Vazio: um retrato da fome no Brasil 

-AGÊNCIA BRASIL

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Agropecuária

NÃO-ME-TOQUE SEDIA FEIRA DE AGRICULTURA DE PRECISÃO

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Até a próxima sexta-feira (6), Não-Me-Toque, pequeno município de 18 mil habitantes no Noroeste do Rio Grande do Sul, é o foco do agro com a 24ª feira Expodireto.

+ Confira as últimas notícias de Agro

Trazendo novas tecnologias para o setor, geração de negócios, pesquisa e serviços de campo, a Expodireto é um ponto de encontro para a inovação e o avanço tecnológico.

Em um passeio pelos 130 hectares do Parque da Cotrijal, com entrada gratuita, os visitantes têm acesso às mais recentes inovações agrícolas, maquinários de ponta, soluções sustentáveis e práticas agrícolas eficientes.

+ Leia as colunas de Alessandra Bergmann

A edição deste ano conta com cerca de 500 expositores, sendo considerada uma grande vitrine do agronegócio do futuro.

E por que a Expodireto Cotrijal é tão importante?

Ela é a maior feira de agricultura de precisão da América Latina, ou seja, ela traz principalmente máquinas, equipamentos de lavoura, tecnologia artificial que ajuda o produtor rural a produzir numa mesma quantidade de terra, muito mais alimentos, com muito mais sustentabilidade ambiental.

Ou seja, num espaço de terra, onde caberia apenas uma semente, com a tecnologia, é possível plantar quatro, e ainda, por um sistema computadorizado, perceber cada necessidade do pedaço da terra, se precisa mais água, mais nutrição para a semente crescer. Muitas fábricas de máquinas com essa tecnologia estão em Não-Me-Toque.

Esse mesmo sistema de escaneamento que é feito na terra e na planta, pudesse ser feito no corpo.

A tecnologia agrícola, é hoje uma das mais avançadas no mundo. Feiras como esta servem para orientar produtores e os próprios consumidores sobre estas inovações, que acontecem a todo o tempo, em máquinas, nos laboratórios, na semente, na genética.

Tudo para garantir a saúde humana e do meio ambiente.

Na área internacional, é grande a expectativa pela presença maciça de delegações estrangeiras, de pelo menos 18 países, como Rússia, Estados Unidos, Alemanha e Emirados Árabes Unidos, com especial atenção para a China.

Serão entre 50 e 60 pessoas do país asiático, entre expositores, importadores, representantes de empresas. A expectativa é de muitos – e bons – negócios, visto que a China é a principal compradora dos produtos agrícolas gaúchos.

A feira, realizada desde o ano 2000, é promovida e organizada pela Cotrijal, a maior cooperativa agropecuária do Rio Grande do Sul, que conta com oito mil associados e 600 funcionários.

O evento deve receber mais de 320 mil visitantes durante cinco dias, só de estacionamento são 12 mil vagas.

Tudo isso também abre oportunidades em outros setores, fora do parque, como de alimentação e rede hoteleira. Como falei, Não-Me-Toque tem apenas 18 mil habitantes, então a cidade e toda a região “ferve” com tanto movimento.

SBT NEWS

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Agropecuária

EM EVENTO DO AGRO BOLSONARO É OVACIONADO POR MULTIDÃO

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi ovacionado ao participar de um evento do agro na cidade de Não-Me-Toque, no Rio Grande do Sul, nesta terça-feira (5). O ex-chefe do Executivo está em terras gaúchas acompanhado dos deputados federais Tenente Coronel Zucco (PL-RS) e Bibo Nunes (PL-RS).

Ao desembarcar no Rio Grande do Sul, Bolsonaro foi recebido por uma multidão de apoiadores no Aeroporto da cidade de Passo Fundo. De lá, ele seguiu de carro até Não-Me-Toque, onde pessoas subiram até em cima de tratores para tentar enxergar o líder conservador e ovacioná-lo. No município, o líder conservador participou da Expodireto Cotrijal.

Quando o ex-presidente chegou ao local da exposição no alto de uma caminhonete, a multidão entoou gritos de “mito, mito” e cantos como “Lula, ladrão, teu lugar é na prisão”. O presidente da Cotrijal, Nei César Manica, que recebeu Bolsonaro na sede da cooperativa, disse que nunca viu tamanha comoção em 24 edições da feira.

A organização do evento informou que esta terça registrou um recorde histórico de público em um único dia de feira, com 135 mil visitantes. Até então, o maior número de pessoas em um único dia da Expodireto Cotrijal tinha sido no terceiro dia de evento no ano passado, com 91,2 mil visitantes.

A feira recebe expositores focados nas áreas de tecnologia e negócios direcionadas para o agronegócio. O objetivo do evento é aproximar os produtores do meio digital para ampliar as oportunidades de mercado. A Expodireto Cotrijal vai até o dia 8 de março.

RETORNO PARA PASSO FUNDO
Nesta quarta (6), Bolsonaro retornou para Passo Fundo, onde se reuniu com pré-candidatos a prefeito e vereadores da região. O líder compartilhou um vídeo que mostrou a recepção que recebeu de uma multidão no Parque de Exposições da cidade

PLENO.NEWS

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Agropecuária

ATRASO NO PLANTIO DA SOJA E PERDAS 50% NO TRIGO SÃO PROJEÇÕES DA CONAB PARA A SAFRA 2023/2024 NO RS

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Com variação mínima em relação ao mês passado, o 3º Levantamento de Safra publicado na manhã desta quinta-feira estima que o Brasil deverá colher 312,3 milhões de toneladas de grãos no ciclo 2023/2024, volume 2,4% inferior ao da safra passada. O decréscimo é atribuído a dois fatores climáticos: pouca chuva e muito calor na nos estados do Centro-Oeste, e excesso de precipitações no Rio Grande do Sul que, além de causar perdas na colheita do trigo, está atrasando os plantios de verão, em especial a soja.

“Estamos atentos e redobraremos o monitoramento das áreas produtoras. O comportamento do clima este ano é o fator mais determinante para as culturas que estão em plantio e em desenvolvimento, em função do El Niño. Além disso, os atrasos no plantio da soja abrem incertezas para o milho 2ª safra”, pondera o diretor de Política Agrícola e Informações da Conab, Sílvio Porto.

A pesquisa mensal projeta aumento de 7,5% no volume de arroz que deve ser colhido nesta safra, podendo chegar a 10,79 milhões de toneladas. Ao mesmo tempo, reconhece que o Rio Grande do Sul, maior produtor do alimento, está vivendo problemas pontuais em razão das enchentes que se registram no Estado. Também no Rio Grande do Sul, a Conab destaca as dificuldades que o excesso de chuvas estão causando para soja, cujo semeadura está bem abaixo do mesmo período do ano passado.

A estimativa da Conab é de que o país colha 160,2 milhões de toneladas de soja e 118,53 milhões de toneladas de milho. A perda estimada para o trigo no Rio Grande do Sul é de 49,5%, o que deve representar um volume colhido de 2,98 milhões de toneladas contra os 5,73 milhões colhidos na safra passada.

Fonte: Correio do Povo

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