Em cinco anos, durante os governos de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), o Brasil gastou R$ 7,4 milhões em remédios do programa Farmácia Popular com mortos.
O que aconteceu:
O governo federal pagou R$ 7.429.424 a farmácias por remédios supostamente entregues a pessoas depois que elas morreram. Os dados foram levantados pela Controladoria Geral da União (CGU).
Os auditores avaliaram o período de julho de 2015 a dezembro de 2020. Foi feita análise por amostragem, apenas com dados de Santa Catarina.
No “Aqui tem Farmácia Popular”, o governo paga a despesa com os remédios. A CGU realizou auditoria para analisar os estabelecimentos conveniados ao programa que oferece medicamentos gratuitos à população e outros produtos com desconto de 90%.
Desperdício de verba e fraude de quem compra e quem vende. “A situação denota desperdício de recursos públicos e fraude cometida pelo particular que efetua a compra, burlando os controles na farmácia, ou pelo próprio estabelecimento”, afirma o relatório dos auditores da CGU.
´´O processo de autorização de vendas carece de adoção de medidas capazes de atestar a presença do beneficiário no momento da venda, assim como a existência dos documentos exigidos pelas regras do PFPB [programa de Farmácia Popular] para a efetivação da venda, conforme preceitos definidos nas normas que regem o referido programa.´´
-Relatório da CGU.
Vendas sem base somaram R$ 2,5 bilhões:
Outros R$ 2,57 bilhões foram objeto de “fraudes ou desvios”, dentro de um orçamento de R$ 14 bilhões no período. Os auditores cruzaram bases de dados do Ministério da Saúde e da Receita Federal para saber se as farmácias tinham em estoque os remédios que, supostamente, haviam entregues aos cidadãos para , dessa forma, conseguir receber do governo federal.
´´Testou-se a simples tese de que “o estabelecimento não pode vender o que não comprou”.
-Relatório da CGU
Mas as farmácias venderam, mesmo sem comprovar que compraram. Foram feitas 362 milhões supostas vendas e entregas de remédios gratuitos aos pacientes sem que sequer houvesse documento fiscal que mostrasse que os medicamentos estavam nos estoques dos estabelecimentos.
E o governo pagou por essas “vendas”. O valor gastou chegou a R$ 2,57 bilhões em cinco anos e meio, média de R$ 467 milhões anuais.
A Controladoria classificou essa situação como “fraudes ou desvios”. “As divergências entre a dispensação realizada e as informações inseridas no Sistema configuram irregularidade”, diz trecho da auditoria.
´´Este valor corresponde a dispensações de medicamentos sem correspondência a lastro em estoque conforme dados obtidos junto à Receita Federal.´´
-Relatório da CGU
Para a Controladoria, há falhas nos controles, “seja na etapa de checagem da documentação e identificação do beneficiário ou procurador, seja nos algoritmos ou fontes de informação previstos no Sistema Autorizador de Vendas, mantido pelo gestor do Programa”, o Ministério da Saúde.
Programa adota controles preventivos, diz ministério
Em resposta à Controladoria, a pasta elaborou uma nota técnica em 10 de outubro de 2023. Nela citou, os controles preventivos:
Usuário e senha da farmácia e usuário e senha do vendedor;
CPF do paciente;
CRM do médico;
medicamento com código de barras ativo na Anvisa;
data de validade da receita médica;
uma espécie de “DNA” da estação de trabalho do balconista;
limite à quantidade de medicamentos por período;
bloqueio a certas combinações de medicamentos;
restrição a certos medicamentos de acordo com a idade ou sexo do paciente.
´´O PFPB [programa Farmácia Popular] continuamente tem buscado aprimorar e implementar novas críticas no sistema autorizador de vendas. No momento, está sendo avaliada, pelo Datasus, por solicitação da CGPFP, a implementação de token e biometria para validação do paciente para a autorização da disponibilização do produto pelo estabelecimento farmacêutico.´´
-Nota técnica do Ministério da Saúde para a CGU
A nota conclui que o programa “já adota mecanismos de controles preventivos e detectivos, realizando o controle e monitoramento das dispensações realizadas pelos estabelecimentos farmacêuticos credenciados, tendo por objetivo identificar eventuais irregularidades na execução do programa e o atendimento da política pública”.
A auditoria da CGU foi concluída em novembro de 2023, um mês após os esclarecimentos do ministério.
Outro lado: a assessoria do Ministério da Saúde afirmou ontem ao UOL que só poderia comentar o caso hoje. A reportagem será atualizada com a resposta.
O que dizem as farmácias:
A Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias) disse que as fraudes podem ocorrer também por culpa do consumidor. “Existe uma grande preocupação do governo com a fiscalização do processo de dispensação, para que a farmácia participante receba o reembolso previsto”, afirmou a entidade, em comunicado em seu site em janeiro de 2023.
´´Fraudes podem ocorrer também na ponta, com o cidadão forjando uma receita, adquirindo medicamentos para uso não pessoal ou se passando por outra pessoa. Atualmente, as próprias farmácias colaboram para barrar essa prática.´´
-Abrafarma, em janeiro de 2023.
Farmácia Popular: R$ 14 bilhões em cinco anos
O orçamento do programa fez o governo federal gastar R$ 14 bilhões, em valores pagos entre 2015 e 2020 — o período da auditoria, segundo dados do Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (Siop). O programa Farmácia Popular foi criado em 2004, durante o primeiro mandato de Lula.
Foram pagos R$ 2,3 bilhões, em cada um dos anos de 2021 e 2022 — segunda metade do governo Bolsonaro.
Em 2023, foram gastos R$ 2,68 bilhões — primeiro ano do terceiro mandato de Lula.
UOL